sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Minha pesquisa de mercado

Minha pesquisa de mercado sobre o que as pessoas pensam de minha igreja não teve método científico nem uma mostra estatisticamente relevante. Mesmo assim, eu a tenho em alta conta. 

Começou quando eu era ainda adolescente, no clube que frequentava com minha família (no tempo em que as pessoas frequentavam clubes). Uma amiga de minha mãe vira pra ela e pergunta: "Glícia? Você é adventista? Mas como?! Você é legal!" Depois dessa introdução bombástica, ela explicou que morava numa região com alta concentração de adventistas. Resumindo sua visão deles, afirmou que eram pessoas que não se misturavam, prepotentes e cuja grande preocupação na vida parecia ser comprar roupas maravilhosas para usar aos sábados.

Anos mais tarde assisti a uma entrevista de Mano Brown, líder dos Racionais MCs, que estudou em uma de nossas escolas um breve período de tempo. Em rede nacional ele descreveu sua impressão dos adventistas. Embora tenha usado outras palavras, ela incluía prepotência e roupas lindas. 

Passam-se alguns anos mais e leio uma coluna do escritor Ferrez na revista Caros Amigos em que ele, como morador do Capão Redondo, dá sua visão dos adventistas e adivinhe?

João 13:35 afirma que o mundo conheceria os discípulos pelo amor que tivessem uns pelos outros. Roupas lindas decerto não era um elemento distintivo. No entanto, aquela amiga de minha mãe relatou uma diferença de comportamento curiosa entre adventistas e não adventistas: em frente à casa dela aconteciam muitos acidentes, ocasião em que todos saíam para ajudar, menos você sabe quem. Estes se limitavam a afastar a cortina para dar uma olhadinha.

Narrei essa "pesquisa de mercado" em uma classe de escola sabatina certa vez e fui praticamente crucificado. As roupas lindas foram defendidas com unhas e dentes. Uma das coisas que ouvi foi: "quem é Mano Brown para dizer como devemos viver?" Bem, posso responder a essa pergunta hoje: Mano Brown é parte do oceano de pessoas que temos a missão solene de alcançar. É uma parte singular desse oceano porque o tivemos nas mãos e perdemos. Você só despreza a visão dos outros sobre si próprio quando não tem como missão de vida amar essa pessoa. E este não deveria ser o nosso caso. Não se trata de conhecer a visão deles para nos tornarmos aquilo que eles querem que nós sejamos, mas para ser aquilo que nosso Mestre nos comissionou a ser. Pessoas que se importam. Pessoas que vão atrás. Pessoas que amam. Amam algo mais que suas roupas lindas.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Ai, que orgulho que dá!

Anos atrás ouvi esse irmão dizer que se nosso papel na salvação fosse aceitar o sacrifício vicário de Cristo, poderíamos nos ufanar de haver aceito. Poderíamos nos orgulhar de termos feito algo. Bem, me parece estranho imaginar que alguém pudesse se pavonear de haver sido alvo da graça. 

A preocupação com o orgulho é mais do que justificada. Ele é provavelmente o pecado mais destrutivo, porquanto o mais impossível de ser perdoado, porque é o tipo pecado que nos engana quanto a nossa real situação. O orgulhoso acha que nada lhe falta. Há pouca ou nenhuma chance do satisfeito consigo mesmo intuir a necessidade do Salvador. É o náufrago que rejeita a boia salvadora por se enxergar numa piscina.

Está na moda falar em vergonha alheia, a vergonha que você sente pelo mico que o outro está pagando. Bem, há decisões na vida que podem nos encher de júbilo, mas jamais de orgulho. Esta, particularmente, nos enche de uma sensação de "orgulho alheio". Ou, como escreveu Paulo, "mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo" (Gálatas 6:14). 

Eu posso me orgulhar da cruz de Cristo. Mais que isso, eu devo me orgulhar, de forma parecida como me orgulho do golaço que o atacante do meu time fez. Posso me orgulhar do tamanho do presente, mas jamais de o haver recebido. Como escreveu Bonar, "não precisamos temer uma grande graça. Uma pequena graça pode tornar um homem orgulhoso, mas nunca uma grande graça". O orgulhoso é aquele que jamais encarou de frente o tamanho da graça de Cristo, o tamanho do preço dela, a enormidade do caminho que Ele percorreu para salvar o que não queria ser salvo. Aí ele ganha dinheiro e se orgulha, ele consegue a admiração por falar bem em público e se orgulha, ele é bonito e se orgulha... O sujeito se orgulha dessas pequenas, vãs, transitórias graças. 

Há esse paradoxo na graça. Ela é tão gigantescamente descomunal que não pode incutir em quem a recebe senão humildade, gratidão e amor. Onde faltam essas três coisas, falta a percepção do que Cristo fez.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

À imagem e semelhança de quem?

A pergunta de Jesus em Lucas 18:8, "quando vier o Filho do Homem, porventura achará fé na terra?" me parece cada vez menos retórica. Na Europa, a fé parece quase que definitivamente coisa de museu. Foi nisso que as igrejas lá se tornaram, centros de visitação turística que falam de uma era passada, com arquitetura e crenças curiosas. Agora os EUA caminham na mesma direção, como mostram os estudos de David Kinnaman. "Nossa pesquisa mostra que muitos dos não cristãos, especialmente jovens adultos, têm pouca confiança na fé cristã, e a estima pelo estilo de vida cristão está rapidamente desaparecendo entre eles. Eles admitem que suas barreiras intelectuais e morais são erguidas quando estão perto de cristãos, e rejeitam Jesus porque se sentem rejeitados pelos cristãos" (Unchristian, Baker Books). 

Mas vivemos no Brasil, onde a fé vai muito bem, obrigado, não é? Bem, a verdade é que existem dois Brasis e um deles se parece muito mais com a realidade apontada por Kinnaman e sentida por qualquer um quando visita a Europa, a ponto de a Conferência Geral da Igreja Adventista haver inserido bairros de classe média alta de São Paulo entre os grupos não alcançados. Tecnicamente, o Morumbi está na mesma situação que o  Chad islamita, ou quase.

A profecia do Mestre é de que conforme a iniquidade fosse se alastrando (e aí eu penso que, seja por ela aumentar de fato ou simplesmente pelo fato de que todos agora ficam sabendo dela, graças aos meios de comunicação), o amor esfriaria (Mateus 24:12). Ainda assim, um mundo em que a fé é trocada por... - pelo que mesmo? nos assusta, e por isso nos perguntamos: o que pode ser feito para que a religião alcance relevância nesse contexto?

Depois de pensar bastante nisso cheguei à conclusão de que deveríamos ter uma preocupação anterior a essa. Antes de pensar em como fazer o cristianismo relevante para o mundo, precisamos pensar em quão relevante ele de fato é para nós. Para mim e para você.

Na pesquisa de Kinnaman, cristãos são vistos como anti homossexuais, críticos demais sobre as vidas dos
outros, hipócritas, maçantes, intolerantes e confusos. Alguma razão para pensar isso eles têm, com certeza, mas agora pensem na Pessoa a quem os cristãos dizem seguir. Jesus seria hoje alguém rotulado como anti homossexual ou como anti qualquer coisa? Quando penso nisso lembro da foto que circula pela Internet de um menino em meio a uma manifestação cheia de cartazes com os dizeres "Deus odeia os gays", que empunha um cartaz menor escrito "Deus não odeia ninguém". Estou com ele. Jesus seria hipócrita, se isso era o que mais o tirava do sério? Jesus não foi maçante, multidões adoravam estar na presença dEle, Ele foi tudo menos intolerante e certamente não era nada confuso e nem as pessoas sentiam que Ele estava julgando suas vidas constantemente.

É porque muitos antes de nós seguiram uma imagem de Cristo e não o Cristo real que a religião se tornou irrelevante. Aos que seguem uma imagem de Cristo Ele vai dizer: não os conheço (Mateus 7:23). Não os conheço porque nitidamente vocês não me conhecem. Será que você encontrou relevância para sua vida em algo que não é a religião pura de Cristo, aquela que o cria à imagem e semelhança dEle? Aquela que o faz mais parecido com Aquele a quem você diz seguir? Uma religião que o faz hipócrita, julgador, intolerante e chato não pode ser relevante para ninguém.

Quando vier o Filho do Homem, achará porventura fé na terra? Vou cuidar para que aqui na minha casa, ao menos, Ele encontre.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Bem vindo ao Reino

Tem dias em que o caminho parece alto demais. Seguir ao Cristo implica em dar frutos como amor, temperança, paciência e outras coisinhas inalcançáveis num mundo de ódio, egoísmo, competição e intolerância. Ontem na livraria vi um livro que ensina a como usar seus "instintos primitivos" a seu favor nos negócios e uma ou duas prateleiras acima livros que falam sobre ser um líder servidor ou que Jesus foi o maior líder que já existiu. Tem dias em que aqueles parecem mais verossímeis que estes.

Tem dias que você é tentado a pensar que o caminho é para uns poucos privilegiados. Os que não são apaixonados por uma picanha sangrando ou por uma cerveja gelada. Os que têm menos hormônios correndo nas veias. Tem dias em que você pensa que os que parecem estar no caminho são, na realidade, hipócritas com esqueletos no armário.

Um dia Jesus assentou-se num monte e começou a dizer coisas absurdas. Disse que felizes são os pobres de espírito, os que têm o coração dilacerado, os que têm que abaixar a cabeça para as injustiças do mundo, os que são perseguidos. Estes, disse Ele, seriam os felizes, porque no longo prazo, quando as coisas todas se fizerem definitivas, veriam uma inversão total do status e então seriam recompensados.

E há muitos seguidores do Mestre de boa fé se esforçando para se encaixar naquele ideal de ser pobre, manso, perseguido e a verdade é que isso não faz muito sentido. Ok, até faz quando se pensa em ser um pacificador e um manso, já que mais adiante Ele diz "aprendei de mim, que sou manso e humilde", mas se nós tivéssemos que nos esforçar para ser pobres de espírito, como faríamos isso? Se tivéssemos que nos esforçar para ter fome e sede de justiça, ou seja para sentirmos falta disso, ou seja, para sermos injustiçados, estaríamos exercitando algum tipo de virtude sadomasoquista? E o que dizer do esforço para ser perseguido? Se felizes são os perseguidos, então o ideal é fomentar a perseguição (chutando santas, vociferando que gays queimarão no inferno, etc)? E, se Jesus estivesse mesmo desenhando no monte um ideal de cristão a ser perseguido, não estaríamos trocando a salvação pela graça mediante a fé por um outro tipo de salvação pelas obras, por coisas que nós fazemos?

Concordo com Dallas Willard, Ed René Kivitz e outros estudiosos que chegaram à conclusão de que não se trata de nada disso. Em Mateus 5 Jesus não está ali enumerando qualidades a serem perseguidas pelos Seus discípulos, mas está continuando a pregação que começou em Mateus 4:17: "desde então Jesus começou a pregar e a dizer: arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus". E o reino dos céus está tão perto e é tão acessível que até mesmo os pobres têm acesso a ele. Até mesmo os perseguidos, os que abaixam a cabeça e engolem sapo, os que foram traumatizados e hoje choram, impotentes. O reino de Deus está perto e isso quer dizer que o caminho não é alto demais que só uns poucos conseguem palmilhar, ao contrário, ele está ao alcance até do mais humilde e fraco dos que de boa fé dizem: Senhor, eis-me aqui, sou teu. O reino de Deus, amigos, o lugar onde Deus reina, está aqui para qualquer um, à distância daquela prece simples. Eis-me aqui, sou Teu. O resto é com Ele, porque você já terá cruzado a fronteira do reino dEle. Você já estará respirando a atmosfera do país em que a vontade dEle é alcançada.