sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Vou dançar com Deus

Todo ano a escola promovia uma excursão a um bonito sítio no sul de São Paulo, a fazenda Itaipava. Uma semana inteira com a galera, dormindo em alojamentos ou chalés, jogando bola, nadando na piscina, remando nos botes do laguinho, fazendo trilhas pela floresta. A semana de Itaipava foi ranqueada como a melhor do ano inteiro no meu ranking particular durante três anos consecutivos, entre meus 10 e 12 anos. Mas havia um momento torturante.

Uma das noites, pelo menos, era dedicada à famigerada "social". Meninos ao longo de uma das paredes, meninas ao longo da outra, e enquanto musiquinhas eram executadas ao piano e cantadas ao ritmo de palmas, alguns meninos corajosos atravessavam o salão e convidavam uma menina para fazer umas coreografias bastante pueris. Rodavam para lá e para cá dando-se os braços, paravam um na frente do outro e conforme a música fosse evoluindo tinham que ir pra lá ou pra cá. Para quem fazia isso parecia ser muito divertido, mas eu sempre fui dos que ficavam só olhando e por isso a noite para mim era uma tortura, parecia sempre longa demais.

Rob Bell narra em Sex God um episódio parecido de sua pré-adolescência. Ele tomou a coragem, atravessou o salão e pediu para dançar com uma menina cujo nome se lembra até hoje. Ela irrompeu em choro e saiu correndo para o banheiro das meninas, deixando-o plantado no meio do salão com os olhos do universo inteiro sobre ele e sobre sua rejeição traumática.

Mais tarde tive que enfrentar meus medos e convidar alguma menina para dançar num bailinho de garagem. Pra meu alívio, não recebi um "não" senão uma ou duas vezes e graças a Deus não foi na primeira tentativa. Recebi alguns "sim" melancólicos, é verdade, mas foram sim.

Há algo na rejeição amorosa que é especialmente dilacerante. Saber-se traído é uma dor sem rivais. Quando alguém consente em dançar com outra pessoa (namorar, casar), está se colocando na frente do outro com tudo o que é. Não se trata, portanto, da rejeição dessa ou daquela características, mas a rejeição do pacote inteiro. Uma traição é o recado mais doloroso que alguém pode receber: "você não é suficiente". Metade das músicas que foram compostas na história da humanidade falam sobre a isso e metade dos filmes românticos fala de pessoas traumatizadas com medo de se arriscar de novo. Por que sim, o amor é arriscado. É por pressentir todo esse risco que levantar-se de um lado do salão, atravessá-lo e falar com uma menina requer a junção de toda a coragem do mundo e fico imaginando também a sensação da menina na direção de quem um menino está caminhando.

E, como tudo que é grande nesta vida, um simples convite para ser seu par na social é um símbolo de Deus. Ali, seja você dos corajosos ou dos medrosos como eu, Deus está lhe ensinando uma verdade vital. Porque o amor é arriscado e Ele é amor, e atravessou o Universo, e veio até o meu lado do salão, tomou uma forma que eu pudesse entender, e Se deu inteiro, sem reservas. O pacote completo. Deus arriscou, me convidou para dançar.

Minha resposta a Sua mão estendida é um "sim, Você é suficiente" ou um "Você não é suficiente, eu preciso de algo mais para ser feliz".

Vou dançar com Deus.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Nós somos os mortos

No clássico 1984, de George Orwell (hoje infelizmente mais conhecido por ser a fonte da expressão “big brother”), há uma  situação emblemática imediatamente antes de uma reviravolta na trama; o protagonista, que vive numa sociedade distópica em que todos são constantemente vigiados pelo Estado e não podem apresentar nenhum desvio de comportamento ou nenhum pensamento original, começa a experimentar se rebelar contra o sistema. Compra um livro. Faz contato com subversivos. Enceta um caso amoroso. Em suma, parece que só agora, já maduro, começa a viver de verdade. Bem, exatamente aí é que ele chega a esta conclusão estranha. Olhando pela janela e vendo as pessoas lá fora ele fala à sua amante: “nós somos os mortos”.

Comecei a separar um material sobre zumbis para um programa de jovens na igreja e dei com um daqueles quadros "expectativa x realidade" que povoam as redes sociais. Ele apresentava uma cena da série The Walking Dead em que os protagonistas estão sobre um trailer cercado de zumbis. A brincadeira é: sua expectativa é ser o mocinho, que mata zumbis e lidera o grupo, mas a realidade é que você, num apocalipse zumbi, provavelmente seria um dos zumbis. É claro, a chance de você ser infectado pelo vírus que tomou a humanidade quase que inteira é bem maior do que de você, justo você, estar na minoria heroica.

E se o mundo todo for reduzido a uma horda de mortos-vivos comedores de carne humana? E se você for um deles? E se isso já tiver acontecido? 


Apocalipse 3:1 traz essa sinistra advertência: Conheço as tuas obras, que tens nome de que vives e estás morto. Esta é a mensagem endereçada à igreja de Deus, logo, haveria uma igreja que tem fama de viva, mas quem conhece suas obras sabe que ela está morta. Ela anda como um vivo, se comporta quase que como um vivo, mas está morta.

Quais os sintomas de uma igreja morta? Simples, ela deixou de fazer as coisas que a igreja viva faz. A igreja viva guarda os mandamentos de Deus e tem fé em Jesus (Apocalipse 14:12). A igreja viva ama perdidamente o ser humano (João 13:35). A igreja viva é uma comunidade de conforto, consolo, estímulo, ânimo e paciência (I Tessalonicenses 5:14).

Em Lucas 12:42-46 Jesus nos apresenta a um mau servo, que perde de vista o espírito de vigilância, a noção de que seu senhor voltará de sua viagem ao estrangeiro a qualquer momento. Ele começa a espancar os seus conservos. Ele é um morto se alimentando da carne dos vivos, ferindo os vivos, tornando-os mortos como ele, mortos à sua imagem e semelhança.

Será que justamente quando acreditamos estar vivendo mais é que vamos concluir que nós somos os mortos? Será que a realidade é distante demais da nossa expectativa?

Em Ezequiel 37:5 eu leio estas palavras: Diga que eu, o SENHOR Deus, estou lhes dizendo isto: “Eu porei respiração dentro de vocês e os farei viver de novo”. Quem ouvir viverá. Quem ouvir a palavra do Deus vivo deixará de ser um morto. Guardará os mandamentos, exercitará fé, amará e cuidará dos que estão ao redor. Quem ouvir, viverá.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Matou a família e foi à escola

As evidências apontam para a hipótese de o menino de 13 anos ter arquitetado o assassinato dos pais, da avó e de uma tia-avó. Ele os teria sedado, depois matado a tiros. Então teria pego o carro da família e dirigido até próximo a sua escola, onde assistira às aulas. Teria então voltado para casa de carona com o pai de um amigo e então se matado. 13 anos, repita-se.

Mas há quem não acredite nessa versão. A família teria sido executada por colegas dos pais do garoto, policiais, porque eles não quiseram se envolver num esquema de furto de caixas eletrônicos ou então teriam ameaçado delatar colegas corruptos. Seria tudo uma armação para queimar o arquivo e incriminar o garoto.

A pergunta que me faço de verdade é se alguma dessas hipóteses é mais alentadora. A verdade é que um mundo em que crianças de 13 assassinam a família não é o mundo em que eu quero viver, mas o mundo em que a força policial é vista como a suspeita natural de um crime bárbaro desses também não é. Seja qual for a verdade, ela é indigesta. Seja qual for a verdade, eu tenho saudades do Céu.
Jesus afirma em Mateus 24:10 que o ódio instalado entre as pessoas será um sinal de Sua vinda. Em diversos momentos de seus escritos, Ellen G. White diz que a história do pecado é de aproximadamente 6 mil anos. Ela repete esse fato muitas vezes. A prudência pede que não sejamos dogmáticos com isso, porque ela poderia estar tomando emprestado uma crença de seu meio e a utilizando de forma ilustrativa, apenas. Ainda assim, façamos esse exercício de imaginação, admitindo que o sétimo milênio, o milênio sabático, o descanso no qual falta entrarmos, segundo o livro de Hebreus, será no Céu. Agora vamos tomar outra baliza: a própria Ellen G. White aponta para o batismo de Jesus como estando no ano 4 mil da História. Aí fica fácil fazer uma conta que, de novo, a prudência pede para não fazermos. Este mundo já teve muitas marcações da data da volta de Jesus e "o dia e hora ninguém sabe".  Devemos vigiar justamente porque não sabemos a hora em que Ele virá.

Mas sabemos a época e esse raciocínio aponta para a possibilidade que mais me enche de consolo, hoje, ao meditar na tragédia da família Pesseghini: Jesus deve vir nos meus dias. Porque assim como o tempo de angústia de 1.260 anos de que falou o profeta Daniel foi abreviado, conforme indicado por Jesus em Mateus 24:22, o próximo grande evento profético pode ser abreviado também.

Meu último interesse é criar aqui um ambiente de excitação, isso seria pouco saudável. O que quero é dividir com você meus suspiros pela realidade prometida pelo Salvador, onde habita a justiça e onde dor, lágrimas e solidão são continentes de um mundo já passado. 

Porque seria lastimável se essa realidade se impusesse em meus dias e me encontrasse ocupado demais com qualquer outra coisa deste mundo que passará. Ora vem, Senhor Jesus!

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Diferentes classes de monstros

Por alguma estranha razão lembrei esses dias de um filme que a Globo reprisava insistentemente na Sessão da Tarde nos anos 80, um filme acho que francês sobre um homem com uma deficiência mental que era rejeitado e ridicularizado por todos da vila, mas que tinha um coração enorme. O filme era triste até o osso. Por lembrar dele, me ocorreu que é fácil simpatizar com os rejeitados quando eles protagonizam filmes; por que será que é tão difícil fazer o mesmo com os de carne e osso que vivem à nossa volta?

Durante séculos uma pessoa com alguma deformidade física era retratada sempre como vilã nas histórias, como o corcunda traidor de 300 de Esparta, de Frank Miller. As deformidades do físico eram sempre reflexo de deformidades de caráter. A Revolução Francesa, contudo, trouxe a ideia dos direitos inalienáveis da pessoa humana. O Direito, que até então era excessivamente patrimonialista, começou a reconhecer os direitos da personalidade, direitos que são inerentes a todo ser humano, tais como o direito à honra, direito à imagem, direito à intimidade, etc., processo este que chegou ao ponto de fazer inserir no coração da nossa Constituição
o princípio maior da dignidade humana, um princípio ao qual todas as leis brasileiras devem respeitar. Foi essa verdadeira revolução civilizatória que mudou o status das pessoas que carregam alguma diferença estética, funcional ou de capacidade intelectual relevante. A civilização não compactua mais com a discriminação a essas pessoas. 

O problema é que a civilização é uma casca fina e frágil que tenta manter domesticada uma fera selvagem que habita em nós.

Foram necessários séculos de civilização para desembocar na Revolução Francesa, que tentou, de um lado, queimar a Bíblia e extirpar a religião e, de outro, reconhecer o princípio religioso cristão mais basilar que existe: o de que fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Reconhecer esse fato impresso logo na primeira página da Bíblia deveria ser suficiente para não se admitir bullying e discriminação e para se incensar o apoio e a inclusão dos párias. Deveria. Mas a besta que mora dentro quer negar a humanidade do outro para poder esmagá-lo sem culpa como se faz com uma formiga. A besta que mora dentro quer negar a humanidade do outro para poder usá-lo como se usa um cavalo ou um boi.

Não estou falando exclusivamente da forma como tratamos os deficientes. Estou falando também da forma como homens tratam mulheres, como nações tratam estrangeiros, como torcidas rivais se tratam. "Quando um ser humano é desprezado, tratado como um objeto, ou negligenciado, quando eles são tratados como menos do que humanos, essas ações são ações contra Deus. Porque como você trata a criação reflete o que você sente sobre o Criador" (Rob Bell, em Sex God).

Agredir, coisificar ou desprezar quem quer que seja é uma forma de abrir mão da sua própria humanidade, porque quando você subtrai a humanidade de alguém, quando você despreza o fato de que um ser humano, seja ele quem for, carrega um reflexo, inda que embaçado, da imagem divina, alguma coisa aconteceu com a sua imagem divina. Você se torna menos humano e mais parecido com um monstro. Quem você acha que eram os verdadeiros monstros, os nazistas ou aqueles que eles chamavam de monstros e mandavam para os fornos?

Valorize a imagem divina que há em você. Esforce-se para enxergá-la no outro.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

...Mas e se a gente obedecesse?

Há alguns meses tive a felicidade de participar de um fantástico congresso em uma igreja para 6.000 pessoas nos EUA. O pastor da comunidade brasileira daquela igreja me disse que são mais de 17 mil membros que se reúnem todas as semanas ali. No congresso havia gente de todo o mundo, mas principalmente dos próprios EUA, pessoas que lideram igrejas de 3, 4, até 20 mil pessoas. Assisti a muitos painéis e em todos eles notei uma tônica comum: todo mundo espera, de uma forma ou de outra, ter uma experiência espiritual mais intensa. Todo mundo acha que a igreja está fracassando de alguma forma. Não importa se vivendo num ambiente em que a igreja parece estar prosperando, todo mundo está insatisfeito.

Comentando o fato com um amigo, observei que talvez estejamos fadados a isso, fadados a achar que falta alguma coisa enquanto estamos deste lado da eternidade. Plenitude, só no Céu. "Um pouco conformista", foi o comentário dele.

Por alguma razão associei essa cadeia de ideias às palavras um tanto misteriosas para mim de Oswald Chambers, que li no clássico My utmost for His Highest. Ele diz que se estamos tendo dificuldades para entender a Bíblia, deveríamos simplesmente obedecer. A obediência nos daria uma compreensão mil vezes mais ampla e rápida do que a mera reflexão na Palavra de Deus.

Talvez a razão da insatisfação reinante com a vida espiritual resida na resistência a simplesmente obedecer a Deus. Obedecer o "vá e faça o mesmo" com o qual Jesus termina a parábola do bom samaritano. Obedecer o "quando fizeste isto [vestir o nu, alimentar o faminto, visitar o preso] a um destes mais pequeninos, a Mim o fizestes". Talvez se simplesmente obedecêssemos mandamentos como este teríamos uma visão mais compreensiva da Palavra de Deus e tenhamos plenitude.

Dias frios são uma boa ocasião para exercitar isso.

Vamos nós lá, fazer o mesmo!