sexta-feira, 28 de junho de 2013

O amor perdido pelo perdido

Havendo crescido nos anos 80 no meio adventista, fui advertido centenas de vezes contra as más influências. Fui aconselhado a não me envolver com pessoas que não partilhavam a minha fé como uma forma de mantê-la. Hoje o discurso suavizou um pouco; somos advertidos a exercitar tolerância com os diferentes, com o que concordo plenamente, mas que acaba tendo o mesmo efeito da advertência contra fazer amizades entre os "lá do mundo": subtrai de minha experiência religiosa o elemento central do amor pelo perdido.

O mandamento para ir e fazer discípulos é dado a cada crente, não a uma casta estudada e dotada para tanto. Ellen White afirma nO Desejado de Todas as Nações que "todo verdadeiro discípulo nasce no reino de Deus como missionário. Aquele que bebe da água viva, faz-se fonte de vida. O depositário torna-se doador. A graça de Cristo na alma é uma vertente no deserto, fluindo para refrigério de todos, e tornando os que estão prestes a perecer, ansiosos de beber da água da vida" (p. 195). Em outro canto ela escreve: "Deus requer que todos sejam obreiros em Sua vinha. Vós deveis lançar-vos à obra de que fostes incumbidos, e fazê-la fielmente" 
(Serviço Cristão, 9). O problema nessas duas citações é o emprego da palavra "todo" ou "todos". Isso deixa margem pra poucas ou nenhumas desculpas para não se envolver intencionalmente na salvação das pessoas que estão separadas de Deus. Essa mesma palavrinha aparece na página seguinte: 
"Salvar almas deve ser a obra vitalícia de todo aquele que professa seguir a Cristo. Somos devedores ao mundo pela graça que nos foi dada por Deus, pela luz que brilhou sobre nós, e pela beleza e poder que descobrimos na verdade" (p. 10).

Hugh Halter, falando sobre isso e comentando o texto de Gálatas 4:19, no qual Paulo diz que espera até que Cristo seja formado dentro dos seus companheiros de fé, nos provoca a pensar no tipo de vida ideal que sonhamos para nossos filhos como um sintoma do tipo de vida que queremos para nós também. Veja: "Todo pai quer que o caráter de Cristo, o coração de Jesus ou a mente de Jesus sejam desenvolvidos em seus filhos, mas não a vida de missão de Jesus. Vamos ser honestos, se seus filhos desenvolvessem o coração de Jesus eles poderiam escolher viver uma vida de serviço que faria vocês se contorcerem. Se eles tivessem a mente de Jesus ou vivessem Sua vida, eles poderiam não estar correndo atrás do 'sonho americano' como nós mesmos estamos. Eles poderiam, em lugar disso, estar correndo atrás de justiça, vivendo pelo pobre, correndo perigos, tudo porque amam Jesus. Então, a prova definitiva está conosco: queremos mesmo que Jesus inteiro seja formado em nossos filhos?" 

Seja por medo de ser contaminado pelo "mundo", seja porque proselitismo está fora de moda, seja porque acreditamos que seja tarefa de outros ou que simplesmente nosso exemplo falará sozinho, seja pela razão que for, a verdade é que uma igreja que perdeu o amor pelas almas perdidas perdeu o centro de sua existência e está às portas da morte. John Burke aponta um sintoma disso: "se na sua igreja não há gente liderando que há três ou quatro anos estava perdida, sua igreja está morrendo". Vamos trazer isso para o campo pessoal: um cristão que não está engajado intencionalmente a, com amor, tato, zelo e muita oração, levar Cristo a quem está à sua volta, em algum ponto do caminho pegou a estrada errada para o Céu.

Que Cristo inteiro seja formado em nós. 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A era da insatisfação

Por sob a pele das convulsões sociais que perpassam o país feito descarga elétrica, por trás das centenas de palavras de ordem diferentes, dá pra ler uma única palavra pulsando forte: insatisfação. Às vezes é possível identificar claramente o objeto da insatisfação, mas muitas vezes ele é difuso, fugidio, impossível de precisar. Talvez essa insatisfação mais cívica, com tudo que tem de belo e justo, se mescle com a insatisfação pessoal em que estamos imersos e seja por ela turbinada.

A revista Mente & Cérebro publicou recentemente um artigo sobre o que ela chamou de "a era da insatisfação". Segundo ela, a sociedade está doente de uma insatisfação crônica que desemboca por vezes em depressão e sempre em perda da qualidade de vida. Em maior ou menor grau, a maioria esmagadora das pessoas está suspirando por algo mais ou algo diferente (pode ser por um físico mais sarado, ou uma plástica no nariz, ou um mestrado, ou um cargo mais alto, ou um carro melhor, ou uma casa, ou outro companheiro, ou mais popularidade, ou mais tempo para jogar videogame, ou mais tempo com os filhos, ou tantas e tantas outras coisas).

A igreja pode ser um fantástico catalisador de insatisfação. Certa vez perguntei para um grupo de amigos o que eles gostariam de viver ou reviver em sua experiência de igreja, do que mais eles sentiam falta em sua experiência de igreja. Eu esperava que eles falassem sobre uma igreja mais aberta a sua participação pessoal, que focasse mais fortemente nos relacionamentos, que os inspirasse a servir, coisas do gênero, mas o curioso foi que praticamente todas as respostas tinham hálito de insatisfação pessoal: eu queria estar lendo mais a Bíblia, eu queria estar testemunhando mais... Em resumo, quando eu os encorajei a pensar no que poderia melhorar em sua experiência de igreja, eles pensaram no papel que a igreja costumeiramente pede que eles exerçam e que eles falhavam em conseguir. 

Será que a igreja só serve mesmo para incutir esse complexo de culpa crônico em seus membros? 

Bem, sou o primeiro a reconhecer que nossa vocação é altíssima. Há coisas fantásticas profetizadas para a igreja. A Bíblia usa palavras como "pura", "imaculada", "sem mancha" e "irrepreensível" para descrever o que ela deve ser. Essa é nossa vocação, é para lá que devemos rumar, "crescendo mais e mais até ser dia perfeito" (Provérbios 24:18). Devemos constantemente buscar crescer, tanto na vida pessoal como na devocional. Portanto, se a insatisfação e a culpa não devem fazer parte do pacote de nossa experiência de igreja e com Cristo, isso definitivamente não significa que devemos ser acomodados e baixar a norma para qualquer coisa menor que puros, imaculados e irrepreensíveis. 

Mas a verdade é que Cristo veio para que tenhamos vida. Muita vida (João 10:10), não pouca. Também é verdade que a alegria é uma das faces do fruto do Espírito (Gálatas 5:22), de modo que todo aquele que recebe o Espírito é alegre. Pouco antes de morrer, Jesus orou pedindo por nós, "para que eles tenham a minha alegria completa em si mesmos" (João 17:13). Nada menos que isso.

O caminho é longo, mas a alegria, a satisfação, não estão apenas no final dele. Podemos ser felizes no processo de nos tornar aquilo que Deus sonhou a nosso respeito. Podemos vivenciar a vida que custou o altíssimo preço do sangue dEle. Podemos querer algo mais em nossa vida e até esbravejar palavras de ordem, mas gratos pelo que já é. Gratos pela salvação fantástica que já está consumada.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

O que você quer?

Como narrei aqui, passei uma longa temporada desempregado há pouco tempo, durante a qual utilizei os serviços de uma consultoria de recolocação. Uma das primeiras perguntas que ouvi ali e que se repetiu dezenas de vezes durante todo o processo foi: "o que você quer?" "O que você quer fazer agora?" É uma pergunta lógica, porque, dependendo da resposta, os exercícios que você deve fazer vão em uma ou em outra direção. Minha primeira reação foi responder que eu queria mais do mesmo, algo parecido com o que eu tinha antes, mas depois da nonagésima vez que fui perguntado, notei que eu queria mesmo era uma coisa bem diferente e então eu estava preparado para correr atrás dela. Alguns profissionais estão se conscientizando da necessidade de contratar um "coach", alguém que lhes ajude a responder essa pergunta e a organizar seus sentimentos com relação à vida profissional.

Talvez você não tenha um coach, então decidi hoje dar a oportunidade de você se questionar sobre o que quer mesmo. Talvez seja só a primeira vez que lhe perguntam o que você quer e aí sua reação seja dar uma risadinha e dizer, "eu sei exatamente o que eu quero", e aí a pergunta precisaria ser repetida muitas vezes e em contextos diferentes para sabermos se essa resposta subsistiria. Isso não posso fazer, mas posso tentar dar o piparote inicial nesse processo. Em relação ao seu Criador, especificamente, o que você quer?

Para ajudar, quero reproduzir os insights que o pastor americano Craig Groeschel me deu em uma palestra há algumas semanas. Segundo ele, definir o que você quer implica em alimentar uma certa natureza de pensamentos e em identificar um inimigo. Poderíamos separar os nossos desejos em três faixas básicas. A primeira seria "fazer um nome". Você quer ser reconhecido, quer ser respeitado. É o que médicos, advogados, vendedores, administradores de empresas, escritores, arquitetos e tantos outros profissionais geralmente querem. Quem quer fazer um nome precisa alimentar pensamentos que o assegurem do fato "eu sou bom". Ninguém faz um nome sem pensar que é bom no que faz. E, quando o que se quer é fazer um nome, o inimigo é todo mundo. Todos os concorrentes. Todo mundo que pode, com seu brilho, empanar o seu. 

A segunda faixa de desejos, talvez já um pouco mais nobre é "eu quero fazer uma diferença". A pessoa que quer fazer a diferença geralmente inicia ou toma parte em um movimento. Pode ser um partido político, uma ONG ou uma igreja, não importa, mas para sentir que está fazendo a diferença essa pessoa precisa alimentar pensamentos que lhe assegurem de que "nós somos somos bons". Meu partido é bom. Minha ONG é boa. Minha igreja é boa. E, para sentir que a sua diferença é realmente impactante, o inimigo são os outros. Os outros partidos, ONGs ou igrejas. Afinal, você é que tem que estar fazendo a diferença; muita gente fazendo a diferença ao mesmo tempo acaba se anulando...

Mas você pode querer fazer parte da História. Se você quer fazer parte da História, você pensa "Deus é bom" e seu inimigo é o mesmo dEle, Satanás, ninguém mais. Seu cônjuge não é o inimigo. Seu vizinho, seu chefe e o maluco que o fecha no trânsito também não são o inimigo. Porque Deus é bom você quer estar a serviço dEle para que o nome dEle seja exaltado em tudo.

O que você quer de verdade faz toda a diferença. No tipo de pensamentos que você alimenta ou deveria alimentar para alcançar e na forma como você se relaciona com o mundo.

Por isso aproveite hoje. Desligue o mundo e responda com honestidade: o que você quer?

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Que medo que dá

Você está ouvindo? Você tem visto o tipo de mundo em que está se tornando este no qual vivemos? 

Os exemplos borbulham. Um rapaz de 19 anos foi assassinado por um ladrão menor de idade, outro menor incendiou uma dentista que não tinha a quantia que ele entendia merecer, o que parece ter inspirado ladrões de consultórios de outra cidade a fazerem o mesmo com outro dentista, um surto psicótico fomentado por barulhos vindos do apartamento de cima leva um homem de bem a assassinar um casal e em seguida tirar a própria vida. As câmeras registram um assassinato em plena rua no que já é conhecido como o crime da "saidinha de banco". Uma adolescente sufoca a própria mãe até a morte e depois ateia fogo ao corpo para conseguir ter mais liberdade no namoro e para faturar o seguro de vida de R$ 15.000,00. Sim, quinze mil. Uma mãe é suspeita de mandar assassinar o filho, de 11 anos.

Eu, que sou pai de três, tenho ainda o agravamento do quadro geral pelo fato de testemunhar esse exército de adolescentes grávidas, de meninos e meninas maculados pela sexualização precoce, tatuados para o resto de suas vidas com o desvirtuamento de que no plano original fora criado belo e para ser uma benção. Eu, que sou pai de três, temo pelos valores do mundo que eles vão herdar e do tipo de pessoas que esse mundo vai tentar forçá-los a ser.

Minha esposa hoje levantou da cama com medo. Foi trabalhar com medo. Vai respirar medo esse dia inteiro e possivelmente os próximos também, sabe-se lá até quando. Eu assisti a um assalto há dois dias e tenho medo quando estou dentro do meu carro. Em frente à minha casa há homens estranhos trabalhando em uma construção e isso dá medo. O medo, juntamente com a solidão, é o sentimento mais universal que existe, e parece haver-se instalado em definitivo no meio da nossa cozinha. Parece haver dado as caras para passar uma longa temporada. Eu nunca gostei de filmes de terror e nem entendi como pode haver gente que goste, porque não vejo qualquer atrativo no medo. Não vejo qualquer aspecto bom nele.

Decerto por ouvir as conversas de minha esposa ao telefone ontem e por algo que tenha visto na TV, meu filho do meio não conseguia dormir ontem à noite. Disse que não parava de pensar em coisas ruins. Palhaços, por exemplo (ele tem um pavor fóbico de palhaços). Na primeira vez que fui até sua cama, ele em prantos, peguei em suas mãos e fizemos juntos uma oração. Não foi suficiente, ele voltou a chamar. Nova oração. Na terceira vez, peguei uma Bíblia ilustrada e li histórias sobre Elias e Eliseu. Ao final de cada uma, perguntei: "Davi, você sabe o que isso significa? Significa que nosso Deus é muito poderoso. Nenhum bicho, que esteja fora ou dentro de sua cabeça, pode com Ele..." 

O Davi enfim dormiu e ao raiar de um dia novo, vendo minha família sair cedo, é hora de eu aprender a lição que tentei fazer com que ele aprendesse também. "Não temas". Esta é a frase mais repetida de toda a Bíblia. Aparece mais de 300 vezes. Não tenha medo. E é repetida tantas vezes por uma razão simples: vivemos em um ambiente amedrontador. Dizem que o medo que fomenta cautela é saudável e que o medo que paralisa não é, mas a Bíblia não faz distinção. Ela simplesmente admite que o medo vai aparecer, mas que, quando isso acontecer, é hora de exercitar aquilo que nos salva (não do perigo, mas da morte eterna): confiança em Deus. Em Sua Palavra Deus diz: sim, eu sei que está escuro. Sim, eu sei que esses ruídos são amedrontadores. Sim, eu sei tudo isso. Mas não tenha medo porque estou contigo. A escuridão vai perdurar por algum tempo, ainda, os barulhos estranhos também, mas não tenha medo. Não tenha medo. Não deixe de viver porque Eu morri para que você viva e viva com abundância.

Porque este mundo (em que vizinhos matam vizinhos e pessoas são queimadas vivas), é o nosso mundo. Mas só por mais um pouco de tempo.