sexta-feira, 24 de maio de 2013

Relevância inda que tardia

O Barna Institute (www.barna.org) é uma espécie de DataFolha cristão, um instituto de pesquisa voltado exclusivamente para o mundo cristão na América do Norte. Graças a seu trabalho e ao de outras iniciativas, temos uma visão bastante reveladora do estado atual da sociedade, especialmente norteamericana. Bem, nosso desejo, confessado ou não, é sermos tal qual os EUA, assim, mesmo que alguns dos tópicos a seguir (retirados de Discipleshift, de Putman, Harrington e Coleman) não sejam realidade aqui nos trópicos (duvido que sejam muitos), talvez seja interessante conhecer essas pesquisas para refletirmos se é realmente isso que queremos nos esforçar para ser.

* Os índices de incidência dos seguintes fatores são idênticos entre cristãos e não cristãos:
       * Divórcios;
       * Consumo de pornografia entre homens (e esse índice não é pequeno);
       * Violência doméstica;
       * Abuso de drogas e álcool.
* Cristãos são duas vezes mais racistas que não cristãos (tá aí o pastor Feliciano que não nos deixa mentir).
* Um em cada quatro casais não casados vivendo juntos identificam-se como evangélicos.
* 6% dos evangélicos dizimam;
* 50% das pessoas que afirmam ir ao templo da igreja regularmente realmente vão.
* 60 a 80% dos jovens nascidos em lares cristãos deixarão a igreja na casa dos 20 anos.
* Menos de 1 a cada 5 pessoas que se declaram cristãos convertidos compreendem as crenças bíblicas mais basilares.
* A maioria dos que se dizem cristãos acreditam que a Bíblia está cheia de erros e não acreditam em doutrinas como a vida sem pecado de Jesus. Acreditam, por outro lado, que se forem boas pessoas vão para o Céu.

James Emery White (em Rethinking the church) argumenta que há 40 anos, as pessoas que não frequentavam uma igreja nos EUA, de uma forma geral, pelo menos conheciam elementos basilares da fé cristã, tinham as igrejas e seus líderes em alta conta e acreditavam na existência de Deus. Hoje a coisa é bem diferente. As pessoas têm uma visão muito negativa de igrejas e de seus líderes, não acreditam em Deus e teriam dificuldades para reconhecer Jesus entre retratos de outras figuras históricas. 

Aparentemente, o desafio para a igreja de levar o evangelho do reino ao mundo todo em testemunho a todas as gentes (Mateus 24:14) está mais difícil, não menos, a despeito dos avanços em meios de comunicação. Algumas comunidades têm feito esforços imensos para se manter relevantes num contexto pós moderno, mas a verdade é que se isso não representar uma semelhança maior de seus membros com Jesus Cristo, toda mudança de forma será em vão. E essa semelhança deve ser mostrada na vida privada, no ambiente de trabalho, nas áreas comuns do condomínio. Não na igreja. É preciso que as estatísticas mostrem que há uma diferença real entre cristãos e não cristãos, uma diferença que não tem nada a ver com a roupa que vestem ou a música que ouvem. Uma diferença que vem da adoção da escala de valores de seu Mestre, Jesus Cristo. Essa é a diferença capaz de impactar e mostrar relevância em pleno século XXI.

É preciso, portanto, que comunidades cristãs se esforcem para conhecer Jesus e para ser como Ele. Alguém sem medo de interagir com pessoas feridas, Alguém que não queira estar perto de pessoas espiritualmente doentes, Alguém que abrace e acolha antes que a mudança de comportamento aconteça e para que a mudança de comportamento aconteça. 

sexta-feira, 17 de maio de 2013

É lógico (ou não)

Decartes era um apaixonado pela lógica, tanto que seu nome virou um quase sinônimo dela. Os termos "lógica" e "cartesiana" andam de mãos dadas por aí. A pretensão dele era eliminar subjetivismos e criar aforismos blindados à refutação que seriam capazes de conduzir o pensador à verdade. Aplicando seu método, escreveu uma série de raciocínios que pretendia serem realmente irrefutáveis, entre os quais um pelo qual "provava" a existência de Deus. Seu método foi importantíssimo para o aparecimento da ciência moderna, que, contudo, refuta a existência de Deus. A ciência alcançou entender um ou dois fenômenos químicos, físicos e biológicos e assim a hipótese Deus se tornou obsoleta e evoluiu até mesmo para "delírio".

Os que creem tendem a se defender dizendo que Deus é uma questão de fé e fé seria algo que acontece fora dos domínios da lógica. Porque, sim - dizem eles - existe uma área que a lógica não alcança; ela não é onipresente. Eu confesso que oscilo entre Decartes e a moderna fé. Há dias em que minha razão grita que Deus existe. Há dias em que a dúvida se insinua e aí sou convidado a crer somente. A dúvida tem enfraquecido muito ao longo dos anos, mas ainda está lá, marcando presença, obstinada, e de quando em vez coloca sua cabeça para fora. Aprendi a conviver bem com ela. Aprendi a ver que Deus parece gostar dela.

Digo isso porque Ele me diz que eu preciso de fé para ser salvo e fé é algo que pressupõe dúvida, já que ela nasce quando há coisas que não vimos, quando há coisas que esperamos acontecer (Hebreus 11:1) e, portanto, quando o método científico não pode ser aplicado. Mas digo isso também pela forma como Deus gosta de zombar de minha lógica.

Tome-se o exemplo do pródigo. Philip Yancey narra em Maravilhosa Graça a reação que alguns camponeses do Oriente Médio, que viviam em estilo e valores ainda muito semelhantes aos dos contemporâneos de Jesus, ao lerem a história do filho pródigo, estranharam duas coisas: um patriarca, rico, que corre (essa atitude era inadequada para um homem respeitável) e um filho que pede a herança com o pai ainda em vida. Pedir a herança ainda em vida era como dizer ao pai: "pra mim você já poderia estar morto", uma ofensa terrível, que revelaria um caráter abjeto. Bem, séculos antes, o homem tido como o mais sábio de todos os tempos, Salomão, escreveu este provérbio: "O filho revoltado que exige do pai uma parte da herança antes da hora certa não será abençoado no final" (Prov. 19:21, Bíblia Viva). É claro que não. É o resultado lógico, é a consequência de se ter um caráter abjeto. Jesus, contudo, narra um pai humilhado que assim mesmo perscruta o horizonte à espera do filho desgarrado e assim mesmo corre em direção ao filho quando o vê. Para abençoá-lo no final. "Veja o que eu faço com sua lógica", Ele está dizendo. 

Quando meu Deus afirma que deixa 99 para buscar só uma que se perdeu, que os trabalhadores da última hora recebem tanto quanto os da primeira, que vale a pena vender tudo por uma única pérola e sobretudo quando Ele Se identifica comigo, Se rebaixa e coloca Sua cabeça na guilhotina que estava preparada para mim, eu vejo que Ele está rindo de minha lógica. E eu rio junto. Porque a ilógica dEle labora em meu favor.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Crescer é preciso


A missão da igreja e a atuação do Espírito Santo na Terra visam transformar mortos espirituais em mestres. Textos como Hebreus 5:12 (Depois de tanto tempo, vocês já deviam ser mestres, mas ainda precisam de alguém que lhes ensine as primeiras lições dos ensinamentos de Deus. Em vez de alimento sólido, vocês ainda precisam de leite. - NTLH) reforçam a existência de um processo de crescimento, e seria muito bom se não esquecêssemos disso a fim de afinar nossas expectativas quanto aos outros e nossas demandas sobre eles também.
Volto a citar Jim Putman, para quem o homem vive (ou deveria viver) cinco fases:
1. Morto. A pessoa morta espiritualmente está divorciada de Deus, não quer nada com Ele, não o leva em conta em sua vida. O problema da igreja com pessoas mortas é que ela se comporta para com eles como se só fosse possível haver interação se os mortos fossem um pouco menos mortos. Deveríamos ter em mente que um homem morto age como um morto. É natural que ele fume, encha a cara, tenha ideias negativas sobre a Bíblia e sobre a igreja, tenha uma conduta sexual diferente da que a igreja prega. etc. Nenhum desses fatores deveria ser suficiente para nos fazer fugir dos mortos, porque a missão da igreja é justamente alcançá-los.
2. Nascido de novo. Aqui temos um instante, não exatamente um período. O novo nascimento é um episódio divisor de águas.
3. Criança. Temos que admitir o fato de que, para a criança, o universo gira ao seu redor. A criança está preocupada em ter a sua barriga cheia, sua fralda limpa, seu corpo aquecido. Tenho uma aqui ao meu lado enquanto escrevo isto, posso garantir. A criança não está preocupada com as necessidades dos outros. É natural que assim seja, como é natural que não permaneçamos nessa fase para sempre.
4. Jovem adulto. O jovem adulto ainda não consegue fazer as coisas de forma muito sistemática. Talvez você não confie a um jovem adulto a liderança de uma comunidade. Mas uma coisa é certa: jovens adultos costumam dar ótimas babás. Eles já podem cuidar de crianças. Eles não podem ter suas próprias crianças, mas podem dar uma ótima assistência às crianças de outros. É importante que eles trabalhem, sua energia é vital para a igreja, mas convém supervisionar sua atuação.
5. Pais (mestres). São maduros, manejam bem a Bíblia, aprenderam a orar e estão aptos a gerar filhos e aconselhar pessoas em qualquer dos outros estágios.
Quanto tempo dura cada estágio desses? Bem, aí depende do Espírito Santo, que age em velocidades distintas de caso a caso, conforme melhor Lhe convém. Relembrar dessa escala toda me faz olhar com maior condescendência para aqueles que estão para trás de mim e perceber que não posso estacionar em nenhum desses degraus, por confortável que seja, preciso continuar caminhando até o último estágio, sendo que ele também não é um platô, ele também tem uma evolução constante esperando por mim. E por você.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Sugestão de gabarito para perguntas essenciais

No meio cristão há duas perguntas importantes, que andam de mãos dadas, e que a maioria esmagadora não conseguiria responder com facilidade. Aliás, mesmo os que têm uma resposta a dar não chegam a um consenso muito claro. São elas: o que é a igreja e para que serve a igreja? As respostas que entendo mais apropriadas são: a igreja é a coletividade de pessoas a quem foi dada uma missão. Que missão? Isso responde à segunda pergunta: fazer discípulos (Mateus 28:18), ensinar e batizar. Para que os membros da igreja estejam aptos a fazer isso, é importante que ela seja uma comunidade de tolerância, amor, incentivo, apoio e correção de rumos (I Tessalonicenses 5:14, entre outros).

Na última semana tive o privilégio de ouvir importantes pensadores do meio cristão, entre eles Jim Putnam, que acrescentou preocupação com uma outra pergunta, que aparece na esteira das duas primeiras: o que é um discípulo? Com o que se parece um discípulo? Para ele, a resposta está escondida em Mateus 4:19: "Venham após mim, e farei de vós pescadores de homens".

Tornar-se um discípulo envolve, portanto, três elementos:

1) Venham após mim: seguir Jesus. Relacionar-se com Ele. Passar tempo com Ele. Observar como Ele age em cada situação da vida e tentar imitá-lO.
2) E farei de vós: uma transformação. Tomar o primeiro passo implica numa metamorfose. O discípulo é alguém sem grande apego ao que tem sido. Ele está disposto a uma mudança de pele que pode ser bastante radical. Ele se submete a ela.
3) pescadores de homens: o discípulo discipula. 

Portanto, a igreja é um corpo de discípulos com a missão de fazer mais discípulos. 

Chegar a essa conclusão nos leva a uma outra ainda: talvez tenhamos entendido tudo errado quanto ao tema dos dons espirituais. Ficamos felizes de ver que na lista de dons espirituais há coisas como liberalidade, oração intercessória e outras atividades que não implicam em envolver-se com alguém que está longe de Cristo. Deixamos isso para os que receberam esses outros "dons". 

"Todo cristão nasce no reino de Deus como um missionário", disse Ellen G. White. Inconveniente, muito pouco cômodo, mas terrivelmente verdadeiro. Basicamente significa que todo aquele que não se relaciona pessoalmente com Cristo, que não se deixa transformar por Ele, e não passa a amar o perdido e disposto a estar em contato próximo com ele, de modo a fazer dele um discípulo como ele foi também... bem, essa pessoa não está na igreja de Deus. 

Não está, mas ainda pode estar. Essa é minha oração por mim e por você.