sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Extraordinários


Toda época de eleições eu passo pela multidão de banners, cavaletes e placas com rostos de candidatos e sou assaltado por reflexões quanto à lógica da democracia. Já era assim quando morava em São Paulo, mas agora que moro numa cidade pequena o meu estranhamento fica ainda mais evidente. Em minha cidade, temos opções fantásticas concorrendo ao posto de vereador. Candidatos como Dejair Canibal, Sangue Bom, Tio João, Zé do Lava Rápido e Nice Carteira. São apenas exemplos extremos do esforço enorme que os candidatos fazem para ganhar identificação com o eleitor. Todo candidato quer parecer ser alguém do povo, alguém como você e eu.

E, no entanto, se pensarmos que a classe política é que vai, representando e em nome desse povo, definir seu destino na produção de leis que terão impacto direto no dia-a-dia de cada um, e que eles serão peça fundamental da aplicação dos recursos recolhidos com os impostos que todos pagam, o mais sensato seria esperar que o povo votasse nos melhores, naqueles acima da média, nos que vão além da mediocridade, seja em termos éticos, seja em termos de capacidade intelectual.

Jesus Cristo fez um grande (para nós, um gigantescamente incompreensível) esforço para se parecer comigo e com você. Ele tomou nossa forma, comeu nossa comida, suou nosso suor, sofreu as nossas dores. Mas ainda assim foi acima da média em tudo. Ele mostrou deter um conjunto de valores superior ao de qualquer outro do povo, e o mesmo com relação ao seu discernimento e com relação à coerência entre teoria e prática. Ele é Quem é porque é parecido comigo, mas faz muito mais e melhor do que eu faço. E o melhor: me chama a imitá-lo nisso também!

Quando leio: Se vocês amam somente aqueles que os amam, por que esperam que Deus lhes dê alguma recompensa? Até os cobradores de impostos amam as pessoas que os amam! Se vocês falam somente com os seus amigos, o que é que estão fazendo de mais? Até os pagãos fazem isso! (Mateus 5:46 e 47), estou lendo o chamado a não me contentar com a mediocridade, não me contentar com o padrão reinante. Ele diz: “isso qualquer um faz. Eu espero mais de você!”

Jesus nos chama para ser extraordinários. Para ter uma pretensão mais alta. Para ter um objetivo mais ambicioso. Jesus nos tira da zona de conforto e aponta para cima, onde Ele próprio está. 

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Tratado de tolerância


Em meio à cadeia infindável de tumultos ocasionados pelo filmeco caseiro americano anti-islâmico e às charges de Maomé publicadas na França, um interessante debate sobre os limites da liberdade de expressão se levantou no Ocidente. Devemos ofender declaradamente apenas para reafirmar nossa liberdade de poder fazê-lo? Agir de outra forma seria capitular à barbárie absolutista do fundamentalismo islâmico? E as vidas que foram e serão ceifadas pela fúria islâmica, não são um preço alto demais a pagar por esse valor principiológico da liberdade?

A reação mais diplomática do mundo islâmico foi o anúncio de que tentarão inscrever a blasfêmia como um crime nos Tratados Internacionais do gênero para, assim, conseguir uma ferramenta legal de repressão a expressões que os mais exacerbados muçulmanos reputam como ofensivas.

Este seria um caminho bastante perigoso, contudo, ao menos para uma importante parcela de muçulmanos ao redor do mundo. Reconhecer os axiomas desta ou daquela religião como sendo aplicáveis e oponíveis universalmente poderia desencadear um regime de reciprocidade altamente desvantajoso para o mundo muçulmano, já que é possível exercer essa fé com relativa tranquilidade em praticamente todos os países em que a maioria professa outra religião, mas a recíproca não é verdadeira. Assim, já que o Ocidente teria que entender ser um crime fazer uma caricatura de Maomé, estaria, por outro lado, liberado para proscrever a religião muçulmana como o cristianismo o é em diversos países islâmicos. É dizer mais ou menos o seguinte: você quer que eu engula esse preceito que você diz ser essencial na sua fé mas você não tolera o preceito essencial de liberdade da minha; nesse caso, você não faz jus à liberdade também.

Atrair a religião ao Estado, dar ferramentas de repressão legal por motivos religiosos, poderia dar ensejo a uma espiral de intolerância que colocaria em risco o processo de globalização ou, estressando ao máximo a situação, a própria vida como a conhecemos. E, no entanto, nossa Bíblia avisa que é exatamente um estado de coisas assim que será instaurado brevemente.

Para nós, que não saímos por aí ofendendo o Profeta mas que também custamos a entender a fúria que move as multidões ofendidas, esses eventos nos ajudam a lembrar de um princípio essencial: tolerância exige tolerância. Se você quer que as excentricidades de sua fé sejam toleradas pelos outros, precisa tolerar as bizarrices deles também. Não devemos ter medo de pensar assim, porque “a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus” (I Coríntios 3:19), assim, nada mais natural que os sábios deste mundo nos vejam como excêntricos. Não é, contudo, agindo como se a nossa excentricidade fosse superior às dos demais que o evangelho da salvação será pregado. Jesus não forçou nenhuma porta, ao contrário, bateu suavemente em cada uma torcendo para ela ser aberta por dentro.

O cristão é um multiplicador de tolerância e compreensão. Missão cada vez mais complicada de se desempenhar, mas quem disse que seria fácil?

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Impossível


I.
Se pensarmos na palavra “impossível” na Bíblia lembraremos provavelmente da assertiva de Jesus de que para Deus nada é impossível. Mas essa palavra aparece em um outro texto que por anos tem colocado uma pulga atrás de minha orelha: “É impossível que os que já uma vez foram iluminados, e provaram o dom celestial, e se fizeram participantes do Espírito Santo, e provaram a boa palavra de Deus, e os poderes do mundo vindouro, e depois caíram, sejam outra vez renovados para arrependimento, porque de novo estão crucificando para si mesmos o Filho de Deus, e expondo-o ao vitupério” (Hebreus 6:4-6).

Estamos afeitos ao “Deus da segunda chance”, mas este trecho – um texto tão obscuro que sequer aparece na minha concordância bíblica ao lado do verbete “impossível” - diz que há um perigo no horizonte para os que estão perto dEle. Ele diz que, para uma classe de pessoas, cair agora é selar seu destino.

Eu procurei não alimentar minha pulga para que ela não ficasse tão gorda, até que, esses dias, tropecei neste parágrafo de Dietrich Bonhoefer, a respeito do trecho do Sermão do Monte em que Jesus diz que somos o sal da terra: “... O sal pode perder seu sabor e deixar de ser sal. Ele simplesmente para de funcionar. Então ele é realmente inútil, só serve para ser jogado fora. Essa é uma peculiaridade do sal. Tudo o mais precisa ser temperado com sal, mas uma vez que o próprio sal perde seu sabor, ele não pode nunca ser salgado de novo. Tudo o mais pode ser salvo pelo sal, não importa quão mau seja – apenas o sal que perde seu sabor não tem esperança de recuperação. Esse é outro lado da figura. É o julgamento que impende sobre a comunidade de discípulos, cuja missão é salvar o mundo mas que, se cessar de viver para essa missão, estará irremediavelmente perdido. O chamado de Jesus Cristo significa que ou somos o sal da terra ou estamos aniquilados; ou atendemos ao chamado, ou somos jogados na rua e pisados. Não há segunda chance aqui.”

II.
Tatiana e eu nos participamos e lideramos grupos de estudo da Bíblia para casais. É curioso ver a reação de quase todos que participam desses grupos ou de retiros para casais. Geralmente os homens vão para coisas assim meio arrastados, mas depois de algum tempo revelam com surpresa que foi uma das melhores coisas que lhes aconteceu. Iniciativas como essa lhes dão a oportunidade de desligar o resto do mundo e focar em dos relacionamentos mais importantes da vida, seguramente o mais importante entre humanos. Quando os casais param tudo para focarem sua atenção um no outro é como se a chuva caísse sobre a terra depois de uma estiagem enorme. A vida brota. As velhas promessas e intenções são reavivadas.

Ellen White, que gostava muito de jardinagem, emprega essa imagem frequentemente: relacionamentos são como plantas. Precisam ser regados. Os mais importantes com maior profusão, ainda que à custa de muita coisa importante. O que é essencial é maior do que o que é apenas importante.

III.
Impossível é uma palavra muito, muito forte. Ela não tem apelação, não tem jeitinho que abra uma brecha.

Talvez a pulga atrás de minha orelha por causa do texto de Hebreus continue ali. Reluto em tirar uma conclusão definitiva sobre o que exatamente esse texto quer dizer, mas sei bem qual é o efeito que ele tem sobre mim: o de me exortar a vigiar. O de me exortar a regar o relacionamento mais essencial de todos, aquele que eu tenho com Deus. Se eu um dia deixá-lo em ponto morto, deixar que ele caia na vala da mesmice e da rotina automática, se eu não dialogar com o Espírito Santo respondendo aos seus apelos, estarei na rota da destruição. Um dia eu vou acordar e nada mais disso tudo vai fazer sentido. Se isso acontecer comigo, minha salvação terá sido jogada no vaso sanitário.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Vida e morte, Marina

Eu vim para que tenham vida.
João 10:10

Vasculhando meus papéis encontrei algo que escrevi no final de setembro de 2.001, no meio do caos que se instalou no mundo com o atentado às Torres Gêmeas do World Trade Center, em 11/09 daquele ano. A mensagem, entendo, continua válida. Segue, pois, tal como o escrevi então:

“Já vamos para duas semanas em que não se fala de outra coisa. Parece que para todo lado que eu olho vejo fumaça, poeira, explosões, sangue, pavor, ou então homens de turbante brandindo metralhadoras, homens de terno com aspecto grave falando apressada e energicamente aos microfones.

Já vamos para duas semanas em que velhos ódios, guardados com algum cuidado em caixinhas nas gavetas de meias, são tirados para fora sem pudor e com a força que têm as coisas fermentadas na surdina durante muito tempo. Velhos desprezos reciclados.

Velhos preconceitos reeditados, renovados, reforçados.

Fala-se de guerra, fala-se de perseguição, novos atentados. Ninguém se sente absolutamente seguro, pois o inimigo pode bem morar ao lado, sorrir pra você de manhã, mas no recôndito de sua consciência alimentar ideias assassinas.

E do meio desse monte de poeira, sangue, lágrimas e medo, eu comecei a ouvir um choro. Mas é um tipo de choro bom, choro feliz. Foi com este e-mail:

"Fazendo jus ao lugar que vocês ocupam em nossos corações, estamos lhes avisando em primeira mão do nascimento de Marina Cestari Menegusso, hoje às 18:30, com 3,410Kg e 50cm, no Hospital Adventista de São Paulo. Conforme esperado, ela é linda (puxou o joelho da mãe), desinibida (nasceu peladinha), sociável (chora pra todos indistintamente), inteligente (já aprendeu a mamar) e logo mais estará resolvendo os problemas do mundo."

A alegria de pai novo do meu amigo Paulo foi um lembrete importante pra mim. É que no meio da desgraça e da tragédia a gente tende a começar a achar que a morte é a regra. Que a morte é natural. O choro da Marina, que eu só imaginei, não me deixou esquecer que no Universo de Deus, VIDA é a regra e morte é a excrecência, a exceção maldita que inventamos. No meio da realidade pensada por Deus, morte é um vírus, só existe espaço pra vida. A Marina foi quem veio e me disse: a morte não estava no programa. Morte, você é muito chata, mas seus dias estão contados!

Pode ser que essa menina não resolva os problemas do mundo, Paulo, mas começou bem.“

Faça uma força para ouvir e fique do lado da regra, não da exceção.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Você é livre?


Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.

João 8:36

Hoje o Brasil celebra sua independência frente a Portugal. Festejamos o dia em que demos o grito do basta, deixamos de ser o quintal do país europeu, chacoalhamos de sobre nós o jugo da escravidão e passamos a ser livres para determinar nossos próprios caminhos.

Na sequência escolhemos um monte de caminhos errados, é verdade, mas liberdade é o tipo de coisa que faz sentido comemorar. Ninguém questiona a alegria que nasce da libertação.

“Falai de tal maneira e de tal maneira procedei como havendo de ser julgados pela lei da liberdade”, orienta Tiago (2:12). Jesus andou na mesma linha dizendo que “se... o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8:36). Só que a maior parte das pessoas que eu conheço que abandona a fé e a congregação da igreja afirma, por atos ou palavras, que está justamente em busca de liberdade. Quer determinar seus próprios caminhos, escolher livremente o que fazer com seu corpo, seu tempo, seus recursos. Não é um paradoxo? Afinal de contas, mergulhar de cabeça em Cristo e aceitar de bom grado - com entusiasmo até - participar de Sua igreja liberta as pessoas? Mas como, se a maioria esmagadora das igrejas impõe um estilo de vida rígido e se arroga o direito de julgar quem dele discorda (ao passo que a minoria que não faz isso descamba, no mais das vezes, para uma atmosfera permissiva que dá a impressão de que a fé e o evangelho são acessórios inócuos)? Como se, fazendo isso, eu estou fatalmente deixando de fazer coisas que eu fazia livremente?

Um verso de uma das músicas de Leonardo Gonçalves me ajuda a desatar esse nó. Ele canta: “sempre estive preso ao meu prazer e minha dor/mas eu hoje tenho liberdade no Senhor...”. Viver para servir a seu próprio prazer e para evitar sua própria dor é uma falsa liberdade, por “n” razões. Que nosso coração e nossos sentidos são péssimos aios, fazendo com que o prazer de agora redunde em dor e sofrimento prolongado no amanhã é uma delas. Que fomos feitos à imagem e semelhança de um Deus que vive para servir, e, portanto, que o egoísmo é negar nosso propósito e nossa natureza originais é outra razão.

Reconhecer-se pequeno e submeter-se ao grande que nos ama é, sim, experimentar liberdade, liberdade que Jesus chama de “verdadeira”, indicando assim que há uma falsa liberdade. Fazê-lo é sentir-se livre de si mesmo, apto a resistir aos prazeres que – esses sim! – viciam e aprisionam e a suportar a dor que antecede a felicidade plena.

Essa liberdade não é fácil de entender, especialmente em nosso século. Admirar a liberdade difícil do evangelho denota maturidade espiritual. A mesma que lhe desejo, porque sentir o vento dessa liberdade no rosto é uma experiência indescritível.