sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Tempos de guerra

Imagine que você seja preso por causa da sua fé. Eles o levam a um tribunal e não lhe dão direito a um advogado e lhe acusam de fazer coisas "horríveis e hediondas", como ir à igreja que você vai e viver do jeito que sua fé pede que você vive. Aí eles o ameaçam. Dizem que se você não parar com essas coisas... bem, você sabe o que vai acontecer: eles são do tipo capaz de torturar e matar. Imagine que você está nessa situação e responda: qual seria sua oração ao chegar em casa?

Eu não tenho grandes dificuldades para imaginar qual seria a minha. Pediria que Deus me livrasse desse perigo. Que me mostrasse o caminho de fugir pra longe do problema. Que Deus me protegesse.

Não acredito que seja uma oração errada. É a coisa mais natural pedirmos proteção quando estamos em perigo e Deus pede honestidade e que dividamos com Ele nossos problemas todos. Entretanto, eu me espanto quando vejo gente que elegi como exemplos de vida fazendo diferente. Veja o caso de Pedro e João. Em Atos 3 eles curam um paralítico que mendigava na frente do templo e causam um baita rebuliço entre a multidão que estava ali no momento. Por conta da confusão, eles são presos e levados ao Sinédrio, a mais alta corte judaica, onde são interpelados quanto à autoridade com que fizeram aquilo (como se tivessem feito uma coisa ruim). Sem pestanejar, Pedro defende sua fé e a pessoa de Jesus Cristo "aquele que vocês crucificaram" (cap. 4:10). Ele sabe o que esses mesmos homens fizeram a Jesus algumas semanas antes; está brincando com fogo. O relato diz que os sacerdotes os ameaçaram e disseram que eles tinham que parar de falar em Jesus e então os soltaram. E qual foi a oração que esses apóstolos com a vida em risco fizeram? Está no verso 29 "Agora, pois, ó Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que falem com toda a intrepidez a tua palavra".

Eles pediram coragem, e não livramento. Isso me atordoa. Por que será que essas pessoas não pedem isenção de problemas, mas condições de passar por eles de forma digna e que não negue a Deus? Suspeito que a resposta a essa indagação seja um questionamento à própria indagação: por que isso me parece estranho? Philip Yancey observou que as orações que ele ouve nos EUA são muito diferentes das que ouviu de cristãos na África, na Índia e em rincões pobres da América do Sul, pois, enquanto os americanos oram por livramento dos problemas os demais oram para que os problemas não enfraqueçam sua fé.

A questão é que nós temos muito conforto e endeusamos a qualidade de vida. Se estamos com dor, tomamos analgésicos.Se nosso nariz é feio, gastamos uma pequena
fortuna para "consertá-lo". Estamos trabalhando feito loucos para trocar o celular que está em perfeitas condições por um outro que lançaram e que tem 125 funções, diferentemente das "só" 120 que o atual tem. São só alguns exemplos do atual estado de coisas, que contribui para que evitemos estar em contato com pessoas que não entendem ou reprovam nossa fé e nosso grande sonho de velhice é construir uma casa confortável numa daquelas cidades em que todos são da nossa religião.

Nós queremos descansar, mas a verdade é que estamos em plena guerra. Só podemos
descansar em tempos de paz, por enquanto é hora de batalhar, é hora de ter problemas, é hora de desafios. É hora de pedir coragem, e não descanso.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Sobre duas ex-canções

Houve um tempo em minha vida em que eu bem poderia cantar a canção dos Titãs:

o acaso vai me proteger
quando eu andar distraído


Mesmo depois de haver me convertido de fato à fé cristã, seria só trocar “acaso” por “meu Deus”, mas eu poderia continuar andando distraído por aí. Sei lá, talvez fosse o temperamento, personalidade, mas eu era assim, um tanto inconsequente. Não tinha medo de muita coisa, sentia que algo maior me protegeria, e, se não protegesse... bem, eu não pensava muito nisso. E, por não fazê-lo, saltava de pedras sem me certificar muito bem do que havia embaixo, andava de madrugada pelas ruas do Capão Redondo e coisas assim. Além desses perigos físicos que corria, tinha absolutamente certeza de que seria feliz, dizia a quem me perguntasse que a felicidade era algo que vinha de dentro pra fora e deveria ser independente de qualquer situação exterior, exatamente porque não tinha muito medo.

Nesse tempo havia também uma outra peculiaridade. Tive uma ou outra paixão mais intensa, mas não havia chegado a amar alguém. Passei até uns bons anos sem namorar. Eu citava, meio jocosamente, para quem vinha conversar comigo sobre o fato, o verso de Cantares: “não desperteis o meu amor até que ele o queira”. Eu afetava uma despreocupação com o fato que não era lá um primor de honestidade. No fundo eu temia que meu amor fosse do tipo que não acorda jamais, temia que pudesse ter alguma incapacidade congênita de amar. Colocava meu vinil dos Smiths pra tocar e enquanto eles cantavam

I know I’m unloveable
you don’t have to tell me


eu cá com os meus botões pensava que aquela podia ser a música da minha vida.

Mas aí tudo mudou. O amor apareceu. Entrou por uma porta insuspeitada, chegou decidido e cravou a sua bandeira no solo ainda sem dono do meu coração. Não havia mal congênito nenhum, a felicidade que eu tinha muita certeza que teria não haveria de ser de um tipo mais raro ou exótico, não, poderia ser do tipo ordinário, o tipo que envolve, entre outras coisas, uma relação de um homem com uma mulher.

Eu não notei imediatamente, contudo, um efeito colateral dessa revolução. Comecei a perder o apetite por pular de pedras e coisas afins, mas só fui notar de fato que algo mais havia mudado quando vieram os filhos. Eles me fizeram descobrir que as coisas têm pontas, e que a altura de uma cama ou um sofá pode ser um abismo temivel. E hoje eu sinto meu estômago revirar ao ouvir falar dos perigos deste mundo. Eu hoje sei que sou capaz de sentir medo.

Amor e medo, descobri, andam de mãos dadas porque quando você ama de repente o seu bem estar, sua felicidade dependem do bem estar de uma outra pessoa, e isso é algo completamente alheio a você, é algo que você não pode controlar. Você pode até colocar protetores de borracha nas pontas e tampar as tomadas e checar as amizades, os horários, os entretenimentos e tudo, mas seu poder de controle será sempre limitado. Especialmente porque você sabe que essa outra pessoa vai poder fazer escolhas e ela as fará, um dia ela vai escolher.

Não é com a mínima ponta de nostalgia que lembro do tempo em que eu andava distraído e me sentia incapaz de amar. A felicidade ordinária me cai muito bem. Sou cheio de gratidão a Deus por ver que Ele, com paciência e amor me conduziu a ela e prefiro mil vezes as novas canções que Ele me deu àquelas outras. Mesmo com o medo ao qual fui tardiamente apresentado.

E por saber que amor envolve medo e por me sentir muito, gigantescamente amado, não posso deixar de sentir um pouco de pena de meu Deus. Imagine o tamanho do medo dEle. Afinal de contas, neste exato instante há mais de 6 bilhões de objetos desse amor rasgado fazendo suas escolhas.

Qual é a sua?