sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A tempestade

Não é nem que a tempestade esteja a caminho, ela claramente já chegou. Todo mundo que viveu os anos 80 e começo dos 90 no Brasil com idade suficiente para saber o que acontecia ao redor treme de pensar que aquele tempo cheio de pacotes econômicos nefastos, inflação desvairada, demissões em massa e economia paralisada pode estar se instalando outra vez.

É que outra vez estamos sendo lembrados que nossa capacidade de criar o Céu na Terra é risível. Outra vez nossas certezas são varridas para baixo do tapete e nos vemos carecendo loucamente de esperança para ocupar o vão deixado por elas.

Há sete dias eu experimentei uma tempestade bastante pedagógica. Foi uma tempestade literal, com chuva e vento. Aproveitando uns poucos dias de férias, estava na praia com a família e amigos. Decidimos fazer uma caminhada por uma linda trilha no meio da mata, cortada de quando em quando por praias belíssimas. Nosso destino era uma dessas praias quase desertas (em janeiro, no litoral norte de São Paulo, nada é propriamente deserto). Nos instalamos sob a sombra de uma jaqueira, as crianças foram nadar, os adultos aproveitamos para mergulhar pelas pedras admirando a criatividade divina expressa em todas aquelas espécies de peixe. Estava tudo ótimo, até o céu se fechar num negrume repentino e ameaçador.

Rapidamente recolhemos tudo e começamos o caminho de volta, mas antes mesmo de chegar à ponta da praia a chuva já caía em toneladas. A saída foi pedir a um barqueiro que nos levasse à praia maior. Ajeitei meu caçula de um ano e dez meses no “sling” e aboletamo-nos no barquinho. A água caía em diagonal, bem na nossa face e fazendo tanto barulho que ninguém conseguia escutar o que o outro dizia. Peguei um colete salva-vidas e coloquei de forma a proteger meu filho. Ele estendeu uma mãozinha para enlaçar meu pescoço, afundou a cabeça no peito e assim ficou.

Em menos de dez minutos estávamos na praia. Quando pulei do barco, percebi que o Davi estava dormindo serenamente. Como eu, todo mundo ficou maravilhado com o fato. Além de ser uma ótima propaganda do sling (um suporte para bebês parecido com o que as mães africanas usam), o fato denotava uma verdade solene: a tempestade não era aterrorizante para quem estava nos braços do pai. Nada de trauma, de dor e medo, apenas descanso confiante.

Quando chegamos à casa dos amigos ali perto, eu ainda com o Davi dormindo no sling, todos enveredaram para o lado direito em direção à ducha e eu resolvi ir para o lado esquerdo. Notei um tanto instintivamente que havia algo no chão – talvez um graveto - e então o pulei. Ao olhar para trás, contudo, vi, pasmo, que havia acabado de pular por sobre uma cobra, que mantinha a cabeça de pé, em posição de espreita. Não sei dizer se ela era venenosa ou não. Só sei dizer que, sob aquela tempestade, fui assim lembrado de que eu também estava nos braços do Pai. Que eu também podia descansar.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

(i)Lógica

Jesus disse que João Batista era o maior dos seres humanos, ou seja, ninguém é mais digno de respeito e honra que ele, correto? Fala-se pouco dele na Bíblia, mas por essa fresta eu consigo antever não alguém que tem uma idéia distorcida de seu próprio valor e do valor dos outros, pelo contrário: alguém absolutamente consciente de sua missão e de seu papel na efetivação da vontade de Deus na Terra. É por isso que fica evidente o abismo existente entre a humanidade e Deus, pois ele, o maior dos seres humanos, diz não ser digno sequer de se abaixar e desatar as sandálias de Jesus. Se o maior dentre nós não presta nem para o serviço mais humilde a Ele, quem pode? Jesus precisa convencer João a batizá-lO, porque ele realmente tinha a noção de maior e menor e ela lhe era amplamente desfavorável.

Se ninguém na Terra era digno de desatar as sandálias de Jesus, por que O vemos curvado e lavando os pés de homens? Não de homens dentre os maiores, mas de um grupo ordinário, que há poucos discutia quem seria o maior no reino que Jesus jamais fundaria – pelo menos não do jeito que esperavam. Ele se abaixa, toma um toalha e lava os pés daquele que já havia combinado de traí-lO e daquele que dali a algumas horas estaria praguejando e vociferando para convencer os outros que não O conhecia. Pois é, isto é graça.

Não que Deus despreze as noções de dignidade e hierarquia, pelo contrário. Sendo a expressão máxima de justiça, Ele tem grande zelo em dar a cada um o que é seu e ninguém é mais digno de veneração, obediência, louvor, temor, respeito e glória que Ele.

Mas como nós, ao escolher o caminho descendente, perdemos a capacidade de reconhecer que Ele é digno de tudo isso, Ele adota a medida extrema de Se fazer menor do que os menores, para, pelo absurdo dessa declaração de amor, abrir seus olhos. Tudo isso sem parecer antinatural, pois servir é o traço marcante da personalidade do próprio Todo Poderoso.

O amor inaugura a graça e a graça subverte tudo. A graça torna o indigno objeto do maior sacrifício. A graça faz o mais rico consentir em Se fazer o mais pobre para que o mais pobre possa ser rico. A graça contamina até mesmo a mais exata das ciências, pois na matemática divina um é mais importante que noventa e nove (como na parábola da ovelha perdida).

A graça desafia meus conceitos de certo e errado. Acostumado a torcer para que o mau morra no fim do filme da forma mais violenta e torturante possível, não consigo entender que, confrontado com o espelho e notando que o mau sou eu, tenha, em lugar da morte violenta e dolorosa, vida eterna e abundante, porque morte violenta e dolorosa teve quem não era mau. Continuo estupefato e algo me diz que assim será pela eternidade afora.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A primeira do ano

O tipo de coisa que é bom escutar no começo de uma jornada é a direção para onde deveria ir. Qual é o meu norte? Há milhões de alternativas possíveis para as mais de três centenas de páginas em branco que nos separam da próxima virada de ano; como preenchê-las? Que rumo dar a esse barco?

Meu norte é determinado pela Bíblia, que reputo como a Palavra de Deus, meu guia mais seguro para determinar valores, sonhos, projetos, prioridades e ética, para este e para o próximo mundo. Mas faz sentido voltar à velha e vergastada Bíblia? A essa altura do campeonato já não haveria bússolas mais eficientes? Será que dois mil anos de civilização não teriam produzido um conhecimento superior ao dela?

No último sábado pedi para o pr. Horne, um professor de teologia aposentado, me dar seu parecer sobre essa pergunta. Ele pegou a sua Bíblia na mão, deu uma folheada pensativa, e disse que ela a acompanha há mais de 50 anos. O impacto dela sobre sua vida é tão grande a ponto de ele haver se tornado um estudioso profissional dela, mas, ainda assim, ele sente que não sabe muito sobre ela. Cada vez que a abre para estudar – e ele o faz todos os dias – é surpreendido com novos vislumbres de quem é Deus, de qual o plano dEle para a humanidade, do que está por trás do noticiário do dia e do que se espera que ele faça em uma infinidade de situações da vida.

Fiquei feliz de ver que o estudioso de mais de 50 anos tem a mesmíssima experiência que eu, com meus cerca de 15 anos de estudos diários do Livro. Dá para continuar confiando na Bíblia? A melhor forma de responder isso é ir a ela e deixar que o poder que está por trás dela atue. Há, eu sei, uma série de evidências racionais, internas e externas, inclusive endossadas pela arqueologia, em favor da Bíblia, mas a que eu mais gosto é a que vem da minha experiência pessoal: a Bíblia mudou minha vida e continua mudando, operando uma transformação profunda que vai muito além da construção de uma ideologia interessante. A Bíblia dá forma a meu caráter, que ideologia seria capaz disso?

No começo da jornada é bom saber que tenho um mapa fiel. Ele me diz exatamente onde eu estou (“porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”, Rom. 3:23), para onde devo ir (“até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo” Efe.4:13) e diz como é que isso vai acontecer (“porque Deus é o que opera em vós tanto o querer quanto o efetuar” Fil.2:13, “justificados, pois, mediante a fé”Rom.5:1). É bom saber que eu não preciso de mais nada do que meu velho mapa, ao qual eu deveria é dar mais atenção do que tenho dado!